- O (des)financiamento do SUS tem prosseguido sua caminhada a passos largos desde 2016, principalmente em razão da promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 95, de dezembro de 2016, que mudou a regra de cálculo do piso federal SUS – congelou até 2036 o valor do piso federal de 2017 atualizado somente pela variação anual do IPCA a partir de 2018. A EC 95 continua condicionando negativamente o financiamento federal do SUS, agora no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2022 em tramitação no Congresso Nacional, retirando recursos para o atendimento das necessidades de saúde da população.
- Segundo estudos recentes, em fase de publicação, de Bruno Moretti, Carlos Ocké-Reis e Francisco Funcia, computados os exercícios de 2018, 2019 e 2022 (2020 e 2021 foram excluídos por causa dos gastos emergenciais decorrentes da pandemia da Covid-19, que teve dezena de milhões de casos no Brasil e matou mais de 600 mil pessoas), as perdas acumuladas do SUS com a proposta orçamentária de 2022 totalizam R$ 37,1 bilhões nesse período.
- Essa condicionalidade negativa para o financiamento do SUS causada pela política econômica da austeridade fiscal, que tem nas regras da EC 95 o principal instrumento de aplicação, foi apontada em 2020, no início da pandemia da Covid-19, por Bruno Moretti, Carlos Ocke-Reis, Erika Aragão, Francisco Funcia e Rodrigo Benevides no artigo “Mudar a política econômica e fortalecer o SUS para evitar o caos” (publicado em 28/03/2020 e disponível em https://jornalggn.com.br/a-grande-crise/mudar-a-politica-economica-e-fortalecer-o-sus-para-evitar-o-caos/ e em https://www.abrasco.org.br/site/noticias/mudar-a-politica-economica-e-fortalecer-o-sus-para-evitar-o-caos/46220/ – acessos em dezembro/2021).
- Na mesma linha anterior, em maio de 2020, Áquilas Mendes, Carlos Ocke-Reis, Francisco Funcia e Rodrigo Benevides publicaram o artigo “O SUS necessita muito mais do que aplausos, gratidão e reconhecimento tardio: precisa de mais recursos para enfrentar o Covid-19 e para consolidar o sistema universal de saúde” (disponível em http://idisa.org.br/domingueira/domingueira-n-21-maio-2020?lang=pt – acesso em dezembro/2021). Muitos outros especialistas da Economia da Saúde, comprometidos com o financiamento adequado para o SUS, têm se manifestado sobre esse tema.
- O Relatório Anual de Gestão (RAG) de 2016 foi reprovado pelo CNS, principalmente, pelo não cumprimento do piso constitucional de 15% da receita corrente líquida da União daquele exercício, pela reincidência da baixa execução orçamentária e financeira de itens de despesas classificada como “inaceitável”, “intolerável” e “inadequado”, segundo critérios aprovados anteriormente pelo controle social do SUS, e pelos elevados valores inscritos e reinscritos de restos a pagar (que se referem a despesas não pagas no ano do respectivo empenho), dentre outros motivos (conforme consta na Resolução CNS nº 551 e anexos, de 06 de julho de 2017).
- O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou a Recomendação nº 17 na reunião plenária de 15 de dezembro de 2022, a última com composição de conselheira(o)s que iniciou o mandato de três anos em dezembro de 2019. Os termos aprovados nessa recomendação na reunião plenária do CNS, desde a parte introdutória, apontaram para a insuficiência de recursos para o Ministério da Saúde na PLOA 2022.
- Durante os debates realizados no pleno do CNS, a(o)s conselheira(o)s fizeram alguns acréscimos em comparação ao texto da Recomendação 037 inicialmente publicado “ad referendum” pelo Presidente do CNS em 02 de dezembro de 2021 (disponível em http://conselho.saude.gov.br/images/Resolucoes/2021/Reco037.pdf – acesso em 16/12/2021), com base na análise inicialmente feita pela Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do CNS, na medida que a Mesa Diretora do CNS entendeu que a matéria – Programação Orçamentária do Ministério da Saúde para 2022 – precisava ser encaminhada com urgência para os parlamentares do Congresso Nacional, que estavam apreciando o PLOA 2022 da União.
- A programação orçamentária de 2022 do Ministério da Saúde foi apresentada com R$ 134,5 bilhões para ações e serviços públicos de saúde (um pouco acima do piso de R$ 134,1 bilhões calculado antes da nova regra de cômputo da variação anual do IPCA definido pela EC 113, aprovada no início de dezembro/2021 – pela nova regra, será preciso acrescentar mais R$ 5,3 bilhões, segundo atualização recente apresentada por Bruno Moretti). Como citamos anteriormente, o desfinanciamento do SUS prossegue no PLOA 2022, com perdas acumuladas de R$ 37,1 bilhões, já calculadas com esse acréscimo decorrente da mudança da regra da atualização anual do IPCA.
- Mas, essas perdas na PLOA 2022 são ainda mais graves, porque os recursos alocados para atendimento das necessidades da saúde da população tiveram uma variação de apenas 1,65% acima que 2021, o que representa uma queda em termos reais (abaixo da variação anual do IPCA superior a 10%), atingindo diversas secretarias do Ministério da Saúde e programações, inclusive na atenção básica.
- Essa queda ocorreu porque não foram alocados no PLOA 2022 recursos adicionais ao piso federal do SUS para as despesas para enfrentamento da Covid-19: os valores programados para o enfrentamento da Covid-19 em 2022 foram computados dentro do valor próximo do piso de 2022, diferentemente do que ocorreu em 2021, quando o Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso Nacional não tinha um centavo programado para o enfrentamento da Covid-19.
- Mas, se é positiva essa incorporação da programação de despesas Covid-19 na programação orçamentária de 2022 do Ministério da Saúde, é grave o fato de que os valores alocados para esse fim são insuficientes (apenas R$ 7,1 bilhões, dos quais, R$ 3,9 bilhões para vacinas, insuficientes para a garantir a terceira dose para toda a população – seria preciso R$ 11 bilhões) e, também, porque alocados mediante a retirada de recursos de programações para atender outras necessidades de saúde da população.
- Portanto, está nas mãos do Congresso Nacional corrigir esse PLOA 2022, alocando mais recursos para o SUS federal atender as necessidades de saúde da população em 2022, inclusive para garantir a vacinação contra Covid-19 e outras ações de enfrentamento da pandemia realizadas pelos estados e Municípios, bem como para que não falte medicamentos, serviços e outros itens necessários para a saúde da população, inclusive os investimentos para fortalecer o complexo industrial da saúde.
- O SUS MERECE E PRECISA MAIS RECURSOS EM 2022 – O Congresso Nacional não pode aprovar novamente um orçamento federal sem recursos para garantir o preceito constitucional de que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Por isso, o CNS propôs na Recomendação 037 um piso emergencial de R$ 200 bilhões para 2022. A hora é agora.
Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.
Publicado na Domingueira nº 45 (dezembro de 2021), publicação do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA).