Projeto alocado na Universidade Federal do Paraná em parceria com o Ministério da Cultura irá mapear iniciativas culturais e disponibilizar tecnologias livres para os movimentos
Com o objetivo de democratizar o acesso às tecnologias digitais e fomentar a cultura de rede, o Lab (Laboratório de Cultura Digital) foi lançado no dia 29 de outubro, no setor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Paraná. O projeto visa mapear iniciativas culturais, inserir novos agentes e difundir a lógica de redes por meio da cultura digital. O Lançamento ocorreu em meio ao Encontro Latinoamericano de Cultura Digital, que recebeu em Curitiba ativistas brasileiros e de movimentos de países como Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos e Tunísia. O presidente da ABM Eduardo Tadeu Pereira participou da mesa de abertura representando os municípios.
“O projeto não é nenhuma novidade, apesar de o processo que queremos articular ser tão inovador”, disse João Paulo Mehl, coordenador de Cultura Digital do Lab e integrante do Coletivo Soylocoporti, referindo-se à trajetória dos Pontos de Cultura pelo Programa Cultura Viva e dos ativistas de mídia livre nos últimos anos. A proposta é aprofundar os laços dessa rede que vem trazendo à tona a diversidade cultural do nosso país.
Eduardo Tadeu, presidente da Associação Brasileira de Municípios, indicou que quer ser parceiro do projeto. Ele acredita que o poder de capilarização dos municípios deve ser explorado no campo cultural. “É preciso mapear o que os municípios têm de iniciativas culturais, colocar num mapa digitalizado e construir os planos municipais de cultura”, pois segundo Tadeu a cultura nem sempre tem a sua importância reconhecida na agenda pública.
Núria Pons, coordenadora do Lab e vice-diretora do Setor de Educação da UFPR, saudou a todos pelo esforço de estarem presentes – alguns vindos de lugares tão distantes. “É preciso mapear as iniciativas culturais e levar o projeto para além da universidade. O Soylocoporti é uma peça fundamental para que nós da instituição aprendamos e convivamos com vocês”, disse. Iara Picchioni Thielen também esteve presente representando a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFPR.
Rede Livre e a democratização da comunicação
O Lab é um projeto que engloba a Rede Livre, os Ciclos de Cultura Digital e intercâmbios. A Rede Livre é uma plataforma que oferece de maneira unificada a possibilidade de se criar uma página em WordPress com layout de website, mapear iniciativas por meio do sistema de georreferenciamento, discutir e formular propostas coletivas através do Delibera, fazer campanhas de mobilização e gerenciar contatos. Um exemplo é a página do Lab (Laboratório de Cultura Digital), que está inserida na Rede Livre e contém um mapa de iniciativas culturais brasileiras com mais de 5 mil iniciativas cadastradas. Já os intercâmbios serão momentos de troca de saberes em que os interessados serão recebidos pelo Lab de forma intensiva.
“Não aceitamos ser pasteurizados, padronizados, colonizados. Queremos romper os muros da universidade, do capital, o muro que impede que nossa diversidade cultural esteja na tela da televisão e nas ondas de rádio”, defendeu Mehl. Ele também ressaltou a importância de democratizarmos a informação no Brasil, assim como foi feito na Argentina com a Lei de Meios. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática está coletando assinaturas para colocar uma proposta de Marco Regulatório das Comunicações em votação no congresso. No meio digital a liberdade também está ameaçada, assim como a privacidade. “O Marco Civil da Internet deve ser votado a qualquer momento e nossa pressão é fundamental”, convocou.
Na sequência, realizou-se o debate Ativismo, redes e ruas: a inteligencia coletiva e as novas tecnologias, que abordou a relação entre o modelo de redes na comunicação e na política. Entre os provocadores estavam integrantes da Associação de Blogueiros Tunisianos, Occupy Wall Street, Movimento Passe Livre, Mídia NINJA, Pueblo Hace Cultura, Ciranda da Comunicação Compartilhada e Soylocoporti.
Poder público
Representantes do poder público também estiveram no Lançamento do Laboratório de Cultura Digital. Antes do evento, Pedro Vasconcellos, diretor de Cultura Digital do Ministério da Cultura (MinC), se reuniu com diversos atores da sociedade civil que fazem parte da trajetória da cultura digital no país. Vasconcellos indicou que essa iniciativa marca uma retomada da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC com ações da cultura digital – e no momento atual de mobilização popular esse tema ganha destaque. “É um esforço que temos que fazer no Brasil, conectar comunicação e cultura”, ressaltou. Em diálogo com essa perspectiva, João Pontes, secretário de Cultura Digital do Rio Grande do Sul, enfatizou a importância da cultura digital para a ressignificação dos processos de produção cultural. “Nossa expectativa com o projeto é muito grande e a gente realmente está aí pra somar no que for necessário”, disse.
A Rede Mocambos, que atua com tecnologia em comunidades quilombolas, esteve representada no evento por TC. Ele acredita ser muito importante que a universidade se junte com o MinC – e o Programa Cultura Viva, enfraquecido nos últimos anos, é revigorado por iniciativas como os laboratórios nas universidade (o Laboratório de Políticas Culturais no Rio de Janeiro e agora o Lab de Cultura Digital no Paraná). “Essa iniciativa pode estar criando um marco histórico aqui, quando as universidades começam a se abrir para a sociedade civil”, acredita. Como afrodescendente, pensa que apesar de a universidade oferecer cotas para negros, a identidade desses povos não está representada nela. “O tambor não pode tocar na universidade. Precisamos ter paciência, mas nós temos que reconhecer que não somos europeus: somos brasileiros, negros, indígenas”, disse TC.
“Temos que hackear mais o Estado no melhor sentido da palavra”, defendeu Uirá Porã, articulador de Políticas Culturais do MinC. Ele acredita que a tecnologia digital é uma das formas de abrir a máquina pública, e o momento que o Brasil viveu nas Jornadas de Junho grita a necessidade dessa mudança no poder público. João Brandt, assessor especial da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo, falou da necessidade de inverter a lógica de pirâmide que prevalece na política brasileira. “Cultura digital para nós não é somente uma ferramenta, mas um ambiente que fortalece uma cultura de comunicação e de compartilhamento”, disse. Ele acredita que projetos como o Lab podem aprofundar a democracia por meio da formulação, implantação e do monitoramento de políticas públicas.