É bem provável que a maioria dos prefeitos e prefeitas, ao assumirem em primeiro de janeiro de 2021 não tinham em mente que uma das suas primeiras prioridades seria a elaboração do Plano Plurianual. Muitos e muitas talvez ainda hoje não tenham se dado conta desta obrigação e de seu potencial para apoiar no planejamento, gestão e na garantia da eficácia do Plano de Governo.
O Plano Plurianual (PPA) está previsto no artigo 165 da Constituição Federal que determina que todos os governos eleitos, em seu primeiro ano de mandato, devem elaborar um plano de médio prazo com diretrizes, objetivos e metas a serem seguidas ao longo dos próximos quatro anos. É uma peça estratégica porque todas as despesas, independente da espécie, deverão estar previstas, caso contrário, não poderão constar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei de Orçamento Anual (LOA) elaboradas ano a ano durante o mandato.
A responsabilidade de elaboração do Plano Plurianual é do poder executivo que deverá enviar ao poder legislativo, no prazo definido pela lei, a proposta de PPA para ser analisada e votada pelos vereadores. As definições e procedimentos administrativos para a elaboração do Plano estão descritas no Decreto 2.829 de 29 de outubro de 1988. Para alguns municípios, no entanto, estes procedimentos estão expressos na própria Lei Orgânica Municipal. Como é peça essencial para a elaboração das leis de diretrizes orçamentárias e das leis de orçamento anuais, geralmente o prazo limite para envio à Câmara de Vereadores é 31 de agosto do primeiro ano do mandato e o poder legislativo municipal tem o prazo de até 60 (sessenta) dias para sua análise e aprovação. A vigência do Plano Plurianual é do segundo ano de um mandato até o final do primeiro ano do mandato seguinte.
Como os prazos são relativamente curtos, é fundamental que o Governo Municipal, logo após a posse, encaminhe as medidas necessárias para sua elaboração. Uma das primeiras é a nomeação da Comissão Técnica que irá propor o cronograma de elaboração do PPA, definir os segmentos a serem envolvidos, estabelecer os formulários e instrumentos de elaboração das propostas e coordenar todo processo. Nesta fase é possível se prever audiências públicas ou outras formas de consulta à comunidade através de plenárias regionais ou temáticas. O envolvimento da comunidade, dos segmentos técnico e científico e do corpo de servidores municipais é uma medida essencial para identificar todas as demandas latentes na cidade, garantir a qualidade do produto final e sua aderência às reais necessidades do município.
A estrutura do Plano deverá iniciar com um diagnóstico da realidade municipal e indicar as medidas necessárias para alterá-la. Estas medidas devem ser organizadas em Diretrizes, Objetivos Estratégicos e Metas a serem alcançadas no período de vigência Plano. A partir da definição das Diretrizes, Objetivos e Metas, o PPA deverá desdobrar as iniciativas em Programas e Projetos a serem executados nos curto e médio prazos. Estes Programas e projetos devem abarcar todas as despesas da administração pública, desde as despesas com Pessoal, Investimentos, Custeios, Convênios, Parceria Público Privada e de pagamentos de dívidas.
O processo de elaboração do Plano Plurianual pode ser meramente técnico, elaborado em gabinete pelas equipes responsáveis pelo Orçamento Municipal. O risco desta forma é que o resultado final pode não dialogar com os reais programas e projetos que o governo pretende implementar. Nesta hipótese, ao longo da gestão, o PPA precisará sofrer ajustes que, igualmente, deverão ser aprovação na Câmara de Vereadores, gerando perda de tempo, desgastes políticos e muita energia para ajustar o Plano ao Programa de Governo.
Se feito de forma mais ampla e participativa, o Plano Plurianual (PPA) pode ser um poderoso instrumento político de gestão, mobilizando a sociedade na definição das prioridades e ser um instrumento que traduz em programas e projetos, o Plano de Governo aprovado nas urnas no ano anterior. Para isso, é fundamental ter uma metodologia participativa e ferramentas que possibilitem, no tempo disponível, a maior abrangência na escuta e na sistematização das demandas e propostas.
O PPA é o principal instrumento de definição das prioridades do investimento dos recursos públicos municipais, estaduais e nacional. Por isso, não menos importante é a definição dos valores orçamentários para cada um dos Programas e Projetos e as fontes de financiamento que irão viabilizar a sua execução. Neste sentido, o Plano Plurianual é um instrumento essencial na definição de prioridades e, se bem gerenciado, pode ser uma ferramenta eficiente para evitar que a Administração Municipal sofra constantes pressões para atender demandas corporativas que não atendem o real interesse público.
O Plano Plurianual também cumpre um papel no processo de monitoramento e de controle social das políticas públicas. Todas as Metas possuem macro indicadores que proporciona que, tanto a Administração Pública como a própria comunidade acompanhem o desenvolvimento das ações e sua eficácia. Como instrumento de gestão também visa evitar desperdício de recursos públicos garantindo que a próxima administração não cessem programas e projetos das gestões anteriores sem motivo justificado.
O processo de elaboração dos PPA Municipal deve dialogar com os Planos Plurianuais do estado e da União. Isto significa que, ao elaborar o Plano Plurianual Municipal, é preciso ter conhecimento dos programas e projetos existentes nos PPAs Nacional e Estadual para articular as iniciativas, garantindo as condições para que haja uma cooperação efetiva em áreas de atuação comuns como a saúde, educação, moradia, mobilidade, assistência social, desenvolvimento econômico, turismo e cultura. Para esta tarefa, dada a pouca quantidade de quadros técnicos das administrações e a limitação de tempo, é possível a contratação de assessoria técnica especialidade que pode assumir as tarefas de coleta de dados e informações, levantamento e organização das demandas e o apoio no processo técnico de sistematização e elaboração da peça do PPA.
Quando se está fora da administração pública, não raro, não compreendemos o porquê de os governos terem tanta dificuldade de realizarem medidas básicas, simples e que teriam um grande impacto na qualidade de vida das pessoas. Já, quando estamos a frente de governos, muitas vezes perdemos a conexão com este sentimento e rapidamente somos sugados para agendas institucionais, reuniões intermináveis que não decidem nada, administração de crises financeiras e toda sorte de demandas burocráticas que consomem o precioso e limitado tempo sabotando a oportunidade de implementarmos mudanças efetivas. O PPA, além de ser uma obrigação legal, pode ser um instrumento que ajuda na organização das prioridades e contribui para que a administração pública como um todo, governo, servidores e comunidade, atuem em prol de mudanças concretas melhorando, efetivamente, a vida da população.
Mauri Cruz – Advogado socioambiental, professor em direito a cidade, mobilidade urbana e gestão de organizações da sociedade civil. Diretor da Usideias.