Francisco R. Funcia*
A PORTARIA GM/MS Nº 166, de 27 de janeiro de 2021 (Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-166-de-27-de-janeiro-de-2021-301402329), trata, “…excepcionalmente, sobre a transferência dos incentivos financeiros federais de custeio da atenção primária à saúde, no âmbito do programa previne brasil, para o ano de 2021”.
O objetivo desta breve nota é alertar para a redução que acontecerá com o financiamento da atenção básica (ou primária, na terminologia governamental) a partir de 1º de maio.
A portaria aponta para “…a necessidade de se adotar medidas de aporte financeiro federal para apoiar o fortalecimento da APS diante da emergência de saúde pública de importância nacional (ESPIN) decorrente da epidemia do coronavírus (Covid-19), declarada pela Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020…”.
Isto quer dizer que:
- A) O recurso orçamentário para enfrentar a Covid-19 (inclusive para leitos de UTI, etc.) e não programado nas despesas com ações e serviços públicos de saúde no orçamento do Ministério da Saúde 2021 (afinal, o valor de R$ 123,8 bilhões dessa programação corresponde ao valor do piso federal do SUS de 2017 atualizado pelo IPCA, ano esse que não teve Covid-19 e que teve uma população menor que a de 2021, inclusive idosa) será realocado de outras programações regulares da atenção primária?
- b) Haverá ampliação desses recursos no primeiro quadrimestre de 2021 e redução no segundo quadrimestre de 2021. A metodologia dessa ampliação citada nessa portaria será a adoção de uma regra de cálculo excepcional, diferente da regra da Portaria 2979/2019, que voltará a ser adotada a partir de maio, o que resultará na redução de recursos para os municípios a partir de maio, conforme explicitado na atual Portaria 166.
- c) Não há informação de que essa metodologia tenha sido pactuada na Comissão Intergestores Tripartite e muito menos submetida para a análise e deliberação do Conselho Nacional de Saúde, como disciplina a Lei Complementar 141/2012.
O desfinanciamento para a atenção básica a partir de maio é evidente, conforme segue:
“Art. 3º Os recursos orçamentários, de que trata esta portaria, correrão por conta do orçamento do ministério da saúde, devendo onerar as funcionais programáticas 10.301.5019.219a – Piso de Atenção Primária à Saúde e a 10.301.5019.217u – Apoio a Manutenção dos Polos de Academia da Saúde, mediante disponibilidade orçamentária e financeira do ministério da saúde”.
Assim sendo:
1. Dotação 10.301.5019.219a – Piso de Atenção Primária à Saúde:
1.1. Plano orçamentário 0008 – incentivo financeiro da APS – Capitação Ponderada:
Isto quer dizer que 4 meses de financiamento correspondem a R$ 3,8 bilhões e 8 meses (dobro do período) a R$ 5,6 bilhões (menos de 50% do recurso do 1º quadrimestre).
1.2. Plano Orçamentário 0009 – Incentivo Financeiro da APS:
Isto quer dizer que não haverá necessidade de incentivo financeiro no último quadrimestre de 2021, porque a situação do enfrentamento da Covid-19 terá sido resolvida – será que da mesma forma que a calamidade pública acabou em 31/12/2020?
1.3. Plano Orçamentário 000a – Incentivo para Ações Estratégicas:
A portaria 166 não explica o que será feito com os recursos da outra dotação citada no caput do art. 3º, a saber, a 10.301.5019.217u – Apoio a Manutenção dos Polos de Academia da Saúde, bem como faltou explicar o seguinte “pequeno detalhe” do final desse caput, a saber, “…mediante disponibilidade orçamentária e financeira do ministério da saúde”. O que isto quer dizer? Não há essa disponibilidade neste momento, certo?
Afinal, o problema não está no fato de que o Projeto de Lei Orçamentária 2021 ainda não foi aprovado, mas sim de uma programação orçamentária insuficiente para 2021 (ainda não votada pelo Congresso Nacional) no valor de r$ 123,8 bilhões, o que corresponde ao valor do piso de 2017 atualizado somente pela inflação (lembrando que o ano de 2017 não havia Covid-19 e que desde então a população cresceu 0,8% ao ano e a população idosa cresceu 3,8% ao ano, segundo o IBGE, ou seja, menos recursos por habitante para a saúde da população, decorrência do desfinanciamento causado pela EC 95/2016 combinado com o “austericídio fiscal” sob o comando do Presidente da República e de seu Ministro da Economia.
Essa portaria é a declaração de estrangulamento do financiamento federal para atenção básica à saúde dos municípios, bem como é a declaração de crime contra a humanidade por causa de um orçamento federal irresponsável e criminoso para a saúde em 2021 e, principalmente, do esgotamento da capacidade de financiamento das políticas públicas decorrente da EC 95 (retomada em 2021), afinal, se o orçamento da saúde está assim, o que dizer das outras áreas que, exceto previdência, tem menos recursos que o Ministério da Saúde?,
Por isso, é preciso fortalecer a petição pública do CNS “A saúde merece mais em 2021”, para que o Congresso se sensibilize e acolha as mais de 500 mil assinaturas já existentes na defesa de um orçamento federal mínimo para as ações e serviços de saúde no valor de R$ 168,7 bilhões, bem como para que seja revogada a EC 95 – aprovar a PEC 36 representaria essa possibilidade.
*Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde. Publicado na Domingueira nº 4 (fevereiro 2021).