Elas são obstáculo ao desenvolvimento, favorecem a concentração de recursos e podem ser usadas para fisiologismos. Associação de Municípios propõe: Brasil deve criar critérios técnicos e transparentes, fortalecendo a autonomia local e a participação da sociedade
De Outras Palavras, por Eduardo Pereira Tadeu*
A atual dinâmica das emendas parlamentares impositivas no Brasil representa um sério desafio para a gestão pública eficiente e para o desenvolvimento sustentável do país. A possibilidade de parlamentares indicarem diretamente a destinação de recursos orçamentários, sem a necessidade de seguir critérios técnicos e planejamento estratégico, tem gerado uma série de distorções e ineficiências.
O Orçamento Geral da União incluía emendas como forma legítima de parlamentares sugerirem ações no orçamento, a partir de suas percepções sobre as necessidades do país. Contudo, desde as mudanças provocadas pela Emenda Constitucional nº 86/2015, parte das propostas passaram a ser “impositivas”, ou seja, o Executivo tem a obrigação de encaminhar as emendas. Essa mudança, aliada ao aumento progressivo dos valores, tem concentrado ainda mais poder nas mãos dos legisladores e fragilizado o planejamento governamental.
Hoje, os números são abissais: cada deputado(a) pode indicar individualmente aproximadamente R$25 milhões e, ao somarmos a participação do(a) parlamentar nas emendas de bancada e de comissão, o valor ultrapassa R$40 milhões. Para comparar: o orçamento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania é de aproximadamente R$500 milhões, ou seja, um grupo de 12 deputados(as) tem mais recursos do que uma pasta ministerial.
Além disso, a falta de critérios objetivos para a distribuição das emendas também favorece a concentração de recursos em determinadas regiões e setores. Municípios menos influentes politicamente são desfavorecidos, enquanto outros conseguem direcionar recursos para obras e serviços que nem sempre são prioritários para a população.
Sendo assim, a vinculação dos recursos das emendas a interesses políticos enfraquece a autonomia dos gestores municipais, que se veem obrigados a atender às demandas dos parlamentares para garantir a execução de obras e serviços essenciais. Essa situação cria um ambiente de clientelismo e corrupção, prejudicando a qualidade da gestão pública e a confiança da população nas instituições.
Não suficiente, a proliferação das “emendas secretas”, que ocultam a autoria e a destinação dos recursos, agrava ainda mais a falta de transparência no sistema, dificultando o controle social e o acompanhamento da aplicação dos recursos públicos. Outro complicador é a paulatina reprodução desse modelo nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, desorganizando também o planejamento em nível local.
Desse modo, é fundamental que a sociedade brasileira promova um debate amplo e profundo sobre o atual modelo das emendas parlamentares impositivas. Os poderes executivos de municípios, estados e União precisam debater o tema no Conselho da Federação, organismo próprio para esse tipo de concertação interfederativa. Mas, mais do que isso, é preciso que a imprensa e a própria sociedade discutam e percebam que o caminho das emendas parlamentares não contribui para o crescimento do país.
Propostas para uma Reforma:
- Estabelecimento de critérios técnicos: A alocação de recursos deve ser baseada em critérios objetivos, como índices de desenvolvimento humano, vulnerabilidade social, necessidade de infraestrutura e planejamento territorial.
- Transparência: É fundamental garantir a total transparência na execução das emendas, com a divulgação detalhada dos projetos, dos valores investidos e dos resultados alcançados.
- Fortalecimento dos mecanismos de controle: A criação de mecanismos eficazes de controle social e auditoria é essencial para garantir a correta aplicação dos recursos públicos.
- Descentralização: A decisão sobre a aplicação dos recursos deve ser compartilhada com os gestores municipais, que conhecem as necessidades da população e podem definir as prioridades de forma mais adequada.
A reforma do sistema de emendas parlamentares é urgente para garantir um desenvolvimento mais justo e equitativo para o Brasil. A ABM defende a necessidade de estabelecer critérios objetivos e transparentes para a alocação dos recursos, fortalecendo a autonomia dos gestores municipais e garantindo a participação da sociedade civil no processo de definição das prioridades.
* Doutor em Educação pela Unicamp, diretor executivo da Associação Brasileira de Municípios (ABM) e prefeito de Várzea Paulista (SP) entre 2005 e 2012.