A Lei de Improbidade Administrativa foi editada há quase 29 anos em meio às denúncias de corrupção que envolviam o governo Collor. É uma lei importante, cujo objetivo central é punir a desonestidade dos gestores públicos, o enriquecimento ilícito e os danos ao patrimônio público.
Entre 2009 e 2018, segundo o Conselho Nacional de Justiça, houve 18,7 mil condenações transitadas em julgado nos tribunais federais. Um volume expressivo para os 5.570 municípios brasileiros. De acordo com estatística da Confederação Nacional dos Municípios, cerca de 50% dessas ações têm como origem os comportamentos previstos no artigo 11 da lei: ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições. E a seguir exemplifica alguns tipos de atos com essas características.
Um artigo com redação tão abstrata e aberta, e com exemplos de comportamentos irregulares, é perfeito para o cometimento de inúmeras injustiças. Gestores públicos, ordenadores de despesas, prefeitos e governadores são acusados de improbidade por promotores, procuradores ou advogados municipais por supostas irregularidades que, na maior parte das vezes, nada têm a ver com desonestidade ou com prejuízo ao patrimônio público.
O resultado é a paralisia da administração pública, o medo na tomada de decisões, o afastamento da vida pública de inúmeras pessoas capacitadas, mas receosas de colocar sua moral em jogo, arriscando seu futuro e seus bens por conta de interpretações que podem levar a processos que duram décadas.
A atual redação do artigo 11 possibilita a condenação dos agentes públicos em inúmeras situações em que não há dolo ou má-fé, perde o foco do combate à corrupção e provoca o cometimento de injustiças. A maioria dos processos não resulta em condenações, mas o simples fato da sua abertura já condena politicamente o gestor e o pune com bloqueio de bens. É comum constatar que quase nenhum prefeito conclui seu mandato sem sofrer um processo de improbidade.
A Lei de Improbidade Administrativa tem natureza sancionatória, ou seja, visa punir aquele que pratica um ilícito. Portanto, assim como é no direito penal, as descrições dos crimes necessariamente precisam ser mais objetivas, evitando margem para interpretações subjetivas que possam ocasionar injustiças. Não há segurança jurídica nas motivações judiciais quando a decisão é fundamentada no artigo 11. É recorrente a identificação de argumentações semelhantes de magistrados que concluem de modo distinto.
A revisão da lei de improbidade, iniciada em 2018 na Câmara dos Deputados, trata a questão do artigo 11 como um dos seus pontos principais. O novo texto que se pretende aprovar tem como objetivo garantir a punição aos desonestos (e até mesmo aumentar as penas), processos mais rápidos, exigência da comprovação de dolo na apresentação das denúncias e maior segurança jurídica para os gestores públicos.
Atos que não se enquadrem nos dispositivos previstos poderão ser interrompidos e eventualmente punidos por ações civis públicas ou ações populares. Modificar o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa não significa deixar de punir os desonestos ou permitir irregularidades na gestão. A lei continuará funcionando, de forma mais objetiva e precisa. A justiça será feita, afastando da vida pública aqueles que cometem atos de corrupção e garantindo a segurança jurídica de todos que exercem um mandato popular ou uma função pública.
*Deputado federal (PT-SP), é relator do projeto de lei 10.887/2018, que revê a Lei de Improbidade Administrativa.
(artigo publicado na Folha de S. Paulo em 5 de março de 2021)