O protagonismo das prefeituras na estruturação de políticas públicas de produção sustentável e acesso a alimentação foi um dos principais temas do ABM Debate: Agroecologia e Segurança Alimentar nos Municípios, realizado na quarta-feira (29), que reuniu especialistas e as prefeituras de Anchieta (SC), Murici (AL) e Xapuri (AC). O evento foi uma parceira da Associação Brasileira de Municípios (ABM) com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Na abertura, Eduardo Tadeu Pereira, Diretor Executivo da ABM, salientou que o evento ocorre em um período difícil para os municípios brasileiros. A conjuntura, marcada pela pandemia em saúde pública, observa o crescimento da pobreza e da fome em seus territórios. “É um momento em que o Governo Federal se exime de suas responsabilidades e as prefeituras assumem um novo protagonismo no cenário político”, disse.
José Giácomo Bacarin, professor da Unesp e Diretor do Instituto Fome Zero, teve como centro de sua fala a Segurança Alimentar e Nutricional. Logo no início de sua exposição fez uma afirmação relevante, que envolve um dos principais segmentos da economia brasileira: “dizem que o agronegócio brasileiro está bombando, porém, como isso é possível quando o país está voltando para o mapa da fome? As pessoas estão vivendo cada vez mais a insegurança alimentar, tem pessoas que estão disputando osso nos açougues, isso não é bombar”, ponderou.
Destacou ainda que todos os indicadores mostram que a situação do acesso da população a alimentação se agravou. Com a crescimento do desemprego, da diminuição e reconcentração de renda mostram “um agravamento da insegurança alimentar e nutricional. Vamos dar a denominação correta: as pessoas estão passando fome e os prefeitos estão percebendo a situação”.
Bacarin, indicou, por sua vez, que há espaço e políticas públicas importantes, como Bolsa Família e o Auxílio Emergencial, que podem enfrentar a questão da pobreza e da insegurança alimentar. “Nos anos últimos anos tivemos uma quebra intencional da articulação federativa. Fechou a porta lá em cima. É fundamental a continuidade dos programas de suplementação de renda. É preciso recuperar essa relação”
A Secretária Executiva da ANA, Flávia Londres, lembrou que a entidade nasceu há quase 20 anos, após do I Encontro Nacional de Agroecologia, se tornando referencial nacional no tema com participação ativa nos espaços institucionais, como, em 2012, atuação na criação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
A atuação da ANA está baseada em três eixos: a importância das experiências locais, o trabalho de diálogo com o Estado na promoção da agroecologia e na comunicação com a sociedade.
Segundo Londres, desde o Encontro Nacional de 2018, a entidade amadureceu a necessidade de olhar os territórios e municípios como espaços de construção de políticas públicas. No ano passado, durante o processo eleitoral, a ANA colocou com tema de debate o que os municípios podem fazer pela agroecologia. Independente das restrições, as prefeituras têm experiências numerosas e exitosas na área, mas desconhecidas nacionalmente.
“Construímos uma grande ação e buscamos identificar os programas, leis, ações que beneficiavam a agroecologia e segurança alimentar. Em menos de dois meses, listamos mais de 700 políticas públicas nos municípios. Foi um resultado surpreendente, com políticas inovadoras”, destacou.
Experiências locais
As prefeituras de Murici (AL), Xapuri (AC) e Anchieta (SC), trouxeram as suas experiências na estruturação de políticas públicas em agroecologia e a segurança alimentar.
Murici, município situado na Zona da Mata do Estado de Alagoas, articula sua política em várias frentes. Desde a Feira da Agricultura Familiar, o Curso Técnico em Agroindústria e Agroecologia, ministrado pelo Instituto Federal de Alagoas, os Programas Plantando Agroflorestas, de Fomento as Atividades Produtivas Rurais e de perfuração de Poços e Recuperação de Nascentes.
A prefeitura trabalha agora na estruturação do Fórum Municipal de Agroecologia e na elaboração do Plano Municipal em Agroecologia.
O município de Xapuri (AC) tem grande vocação florestal, mas também uma presença forte da agropecuária. Articula políticas públicas levando em consideração vários sistemas de produção, tendo como os principais os Polos de Agroflorestas e a Reserva Extrativista Chico Mendes, com incentivo ao plantio, comercialização e apoio técnico.
A experiência do município de Anchieta (SC) foi apresentada pelo prefeito Ivan José Canci. A economia local gira em torno da agricultura, com cerca de 600 estabelecimentos rurais, com cerca de 50% da população residindo na zona rural.
A organização da política pública do munícipio remonta ao Planejamento Estratégica Participativo para o Desenvolvimento Rural de 1997.Hoje há uma articulação das entidades da área discutindo as políticas públicas através de espaços institucionais como o Fórum Municipal de Entidades e Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural.
O prefeito citou, entre as várias iniciativas em execução no município, as ações voltadas para preservar os recursos hídricos do município com políticas públicas estruturadas como os Programas de Proteção das Matas Ciliares e Nascentes e do Água para Todos.
Outra ação importante foi a aprovação de legislação municipal institucionalizando as políticas públicas de apoio a agroecologia.