Poucos conhecem ou reconhecem a grandeza do SUS. Seja do ponto de vista humano, seja do ponto de vista técnico-sanitário. O SUS em sua grandeza salva vidas; promove e protege a saúde das pessoas. São 210 milhões de pessoas atendidas pelo SUS nos municípios, nos estados e em âmbito federal. Muitos trabalhadores, servidores, gestores do SUS talvez não tenham a exata dimensão de sua grandeza.
Ao olhar o SUS integralmente é surpreendente a sua dimensão. Uma dimensão para além do curativo, dos serviços assistenciais que atendem as pessoas pela situação emergencial. A falta de atendimento em uma situação de emergência, onde o risco de vida é eminente, como o diagnóstico de uma doença como câncer, que a todos desconserta por levar a considerações sobre a morte, chama mais atenção do que medidas preventivas.
O SUS é isso e muito mais por se tratar de uma política pública de proteção da saúde, como os cuidados com os alimentos, domissaneantes, medicamentos quanto à fabricação e evidências científicas. Isso é papel da Anvisa, uma entidade que integra o SUS.
Ao se promover a saúde das pessoas mediante educação sanitária ou pela consciência do autocuidado, como a alimentação saudável, se previne doenças como a pressão alta, diabetes. Ao se acompanhar a gestante para um parto saudável; imunizar pessoas contra doenças endêmicas e epidêmicas são medidas preventivas de crucial importância. São muitas as veredas da saúde e muitos os papeis do SUS.
Ao mirar tão somente o aspecto assistencial, perde-se essa noção de grandeza. Poucas pessoas têm conhecimento de quanto o SUS investe em medicamentos para garantir qualidade de vida de pessoas com com hemofilia, exemplificativamente, orçado em mais de R$900 milhões/ano, quase um bilhão de reais, para evitar mortes prematuras como a do Betinho e seu irmão Henfil em razão da hemofilia. O SUS garante a todas as pessoas com HIV/Aids medicamentos, que os mantém vivos e com qualidade de vida, assim como às pessoas com transtorno
mental que recebem medicamentos de alto custo que lhes permitem viver de modo inclusivo.
Isso para não dizer de tantas outras ações próprias e específicas do SUS para a saúde e dignidade de vida. Quem poderia arcar com uma despesa no valor de dez mil reais por semana para se proteger da hemofilia? Talvez 1% da população mais rica, ficando descoberta 99%. O SUS, tido como o patinho feio, garante há décadas esse medicamento para quem dele precisa. É bom lembrar ainda que há uma empresa brasileira pública, a Hemobrás, a caminho de produzir daqui poucos anos esse medicamento (fator 8r), deixando para trás a dependência do mercado externo nas compras anuais de quase um bilhão de reais.
Essa grandeza do SUS precisa ser apresentada, percebida, admirada e elogiada para que esse sistema público não feneça, dado o risco de seu subfinanciamento agravado pela Emenda Constitucional 95, de 2016. Não se pode mais ignorar o papel do SUS na vida das pessoas como demonstrou a pandemia da Covid-19, ao salvar vidas em sua incansável atuação, como a vacinação diuturna, os atendimentos, as internações e outros cuidados.
Somente uma sociedade consciente de seus direitos e do potencial do SUS, como os serviços em 5.570 municípios e em 27 estados – ainda que existam fragilidades – pode mantê-lo vivo com qualidade e suficiência. O controle da sociedade é crucial para a sua manutenção.
É preciso dar ampla divulgação de que o SUS, além de suas unidades básicas de saúde nas comunidades; de seus ambulatórios; do SAMU; maternidades e hospitais, tem ainda sob a sua estrutura pública, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a proteger a saúde da população; a Fiocruz com seu trabalho de ensino, pesquisa e desenvolvimento biotecnológico na saúde; o Grupo Hospitalar Conceição com os seus cinco hospitais a atender a população do Rio Grande do Sul; O Hospital de Clínicas de Porto Alegre; a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); a Hemobrás, empresa pública responsável pelo processamento do plasma humano e desenvolvimento de biotecnologia; o Instituto Evandro Chagas, importante centro de pesquisas de micro-organismos e patologias da Amazônia, respeitado e reconhecido internacionalmente; o Instituto Nacional do Câncer (Inca) referência em pesquisa, controle e tratamento do câncer. Isso somente em âmbito
federal, entidades vinculadas ao Ministério da Saúde ou integrante de sua estrutura como é o caso do Inca; isso sem apontarmos as estruturas públicas de ensino, pesquisa, controle, tratamento pertencentes aos estados e municípios, como aponta Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo do dia 20.03.22 (“O Incor voltou ao Paraíso”), ao informar que o Instituto do Coração (Incor) obteve o 24° lugar dentre os melhores hospitais do mundo pela revista americana Newsweek.
Isso tudo é SUS. Financiado com recursos no montante de R$3,80/dia, per capita, (o preço de uma passagem de ônibus). Aproveito para um reparo ao artigo do articulista da Folha ora mencionado que afirma ser 50% do financiamento do Incor do Estado de São Paulo e 25% do SUS e convênios. Os recursos do Governo do Estado de São Paulo aplicado no Incor, é SUS. O SUS tem financiamento trilateral: União, Estados e Municípios. Assim o correto seria dizer que o Incor é financiado com 75% de recursos do SUS (50% do Estado e 25% da União).
É preciso dar ampla divulgação à dimensão do SUS, à sua grandeza, ao seu relevante papel de guardião da saúde das pessoas. É preciso homenagear esse sistema de apenas três décadas e com tamanha grandeza e tão ínfimos recursos.
Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.