De todas as regiões do Brasil, 16 municípios de pequeno e médio porte assinaram Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e a Energia
De Estadão, por Clara Marques
Serra Talhada, no sertão pernambucano, é terra do cangaceiro Lampião e considerada a capital do xaxado, mas quer ficar conhecida por outro motivo: os esforços contra o aquecimento global. A cidade, de 90 mil moradores, foi a primeira brasileira de porte médio a assinar o Pacto Global de Prefeitas e Prefeitos pelo Clima e a Energia (GCoM).
O exemplo mostra que não são somente os grandes centros urbanos que precisam agir e inspira mais municípios de porte menor a buscarem medidas para reduzir a poluição atmosférica. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, 88% das emissões dos municípios do País ocorrem em locais com até 100 mil habitantes (grande parte pelo desmatamento).
Os efeitos da crise climática já são visíveis. Segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Pernambuco, a seca prolongada reduziu as terras destinadas à lavoura e à pastagem de gado e cavalos, levando à transição para rebanhos mais resistentes à caatinga, como bodes e carneiros.
Entre 2008 e 2018, com chuvas abaixo da média, Serra Talhada viu o setor agropecuário recuar 6,8% nesse período. Além da pecuária, a renda local vem da produção de mel e da agricultura familiar.
INVENTÁRIO DE EMISSÕES. O primeiro passo adotado pela cidade foi um inventário das emissões de gases de efeito estufa, segundo o qual o setor de transportes é responsável por 58% e o de energia, por 32%. Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente de Serra Talhada, Júnior Moraes, foram criadas ciclovias e o parque de iluminação pública foi modernizado.
Houve também a abertura de novos espaços públicos verdes, como praças e parques urbanos. Além disso, há o incentivo aos cidadãos com desconto no IPTU de 50% para quem utiliza energia solar ou para quem planta uma árvore em sua residência. “O inventário de emissões de gases de efeito estufa embasou a criação da Comissão Municipal pela Ação Climática de Serra Talhada, permitindo estabelecer metas e objetivos de mitigação, mas também de adaptação”, diz Sandino Lamarca, consultor técnico do Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e a Energia.
O pacto é um movimento voluntário de prefeitos de mais de 13 mil cidades, que se comprometem a promover políticas públicas voltadas à adaptação climática.
“O inventário de emissões de gases de efeito estufa embasou a criação da Comissão Municipal pela Ação Climática de Serra Talhada, permitindo estabelecer metas e objetivos de mitigação, mas também de adaptação”
Sandino Lamarca, consultor técnico do GCoM.
ENFRENTAMENTO. As ações de enfrentamento à estiagem contaram com a formação dos moradores das zonas rurais de Serra Talhada para uma Brigada de Primeira Resposta a incêndios, também causados pela seca intensa.
A arborização também foi ampliada, dialogando com as estratégias de soluções baseadas na natureza (SbN). A partir do projeto Arboriza Serra, praças, escolas, prédios públicos e locais ociosos foram contemplados com o plantio de espécies nativas da caatinga, como ipê-rosa, pau-ferro, paud’arco e canafístula.
Somente com a adaptação em iluminação natural e o aproveitamento do sol sertanejo, Serra Talhada economizou 345 MWh em energia e reduziu mais de 156 toneladas de CO2 no setor. De acordo com Eduardo Tadeu, diretor executivo da Associação Brasileira de Municípios, os gastos com iluminação pública consumiam entre 3% a 6% do orçamento municipal.
As lâmpadas convencionais foram trocadas pelas de LED e o centro administrativo foi transferido para um novo espaço, com maior circulação natural de vento, o que reduziu custos com refrigeração.
Serra Talhada inspirou outros 15 pequenos municípios em todas as regiões do Brasil, todos signatários do pacto global, a partir de um protocolo compartilhado com mais de 11 mil cidades signatárias em 142 países.
ÁRVORES E ENERGIA SOLAR. Uma das cidades signatárias é a paulista Cordeirópolis, a 160 km da capital e localizada em um dos maiores polos cerâmicos do Brasil. O município é afetado pela alta emissão de poluentes com o trânsito diário de veículos que passam por algumas das principais rodovias do Estado, a Washington Luís, a Bandeirantes e a Anhanguera, que cortam a área da cidade, além de uma ferrovia.
“Tomamos como referência o Plano Climático de Serra Talhada e identificamos que 60% das emissões na nossa cidade são decorrentes do consumo de combustíveis (transporte); 26% do setor energético e 14% em resíduos”, diz Joaquim Dutra, secretário de Meio Ambiente de Cordeirópolis, que tem 25 mil habitantes.
A localização do município em cabeceiras de bacias hidrográficas e o mapeamento dos impactos das mudanças climáticas nas principais fontes de renda local, que decorrem da indústria, do comércio e de transportes, levaram à adesão ao Pacto Global de Prefeitos. O plano climático local deve ser lançado neste ano.
Foram plantadas mais de 130 mil árvores nativas no entorno das nascentes de Cordeirópolis; foi construída uma nova represa de abastecimento; e houve perfuração de poços artesianos. Para as escolas, o município também levantou um aporte de mais de R$ 1,5 milhão para implementação de energia solar.
Segundo a prefeitura, ações de educação ambiental contínua nas escolas também já estão em execução.
Gases poluentes 88% das emissões das cidades do País ocorrem em locais que têm até 100 mil habitantes
OUTRAS CIDADES. As outras cidades de pequeno e médio porte que aderiram ao pacto são: Abaetetuba, Barcarena e Parauapebas, no Pará; Brasileia, no Acre; Cáceres, no Mato Grosso; Cariranhanha, na Bahia; Formoso do Araguaia, no Tocantins; Francisco Morato, em São Paulo; Indiaroba e São Cristóvão, no Sergipe; Jandaíra, no Rio Grande do Norte; Niterói, no Rio de Janeiro; Sirinhaém, em Pernambuco; e Sobral, no Ceará.
As prefeituras contam com o suporte técnico das equipes de Serra Talhada para o inventário de gases de efeito estufa e para criar planos de ação climática. “Toda essa assistência técnica foi feita de forma gratuita”, afirma Lamarca.
Nesta rede, o objetivo é compartilhar ações direcionadas a cada município, mas também manter uma rede cooperativa nacional. O suporte técnico também forma gestores e cidadãos locais quanto a cálculos, as ferramentas e o traçado de metas. O movimento de prefeitos brasileiros pelo clima tem a cooperação da Associação Brasileira de Municípios, do Instituto Alziras, da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos e do ICLEI Brasil.