Entidade coordena agenda intensa, com organização de seis painéis e participação em mais de dez eventos de alto nível em Belém, articulando prefeitos/as, ministros/as e lideranças internacionais em eixos estratégicos, como financiamento, gênero e governança multinível para ação climática nos territórios
A Associação Brasileira de Municípios (ABM) encerrou sua primeira semana na COP30 com uma atuação histórica e transversal, realizando seis eventos estratégicos que posicionaram os governos locais no epicentro das discussões sobre clima e sustentabilidade. Com participação de prefeitas e prefeitos, ministras e ministros, secretários/as nacionais e representantes de redes globais, a agenda construída ao longo de sete dias destacou a urgência incontornável de levar financiamento, capacitação e políticas públicas efetivas para onde a vida realmente acontece: os territórios municipais.
A estratégia da ABM para a COP30 se refletiu em parcerias sólidas com entidades como a CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos), o Instituto Alziras, o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal e o Consórcio Nordeste, além de articulações com ministérios e agências de fomento. Esta rede de cooperação multinível permitiu que a associação apresentasse uma visão abrangente e articulada sobre os desafios e oportunidades para a implementação da ação climática nos 5.570 municípios brasileiros.
Voz dos pequenos e médios municípios no palco global

A semana iniciou-se com um marco simbólico de grande relevância política: a participação do vice-presidente de Cidades Resilientes da ABM e prefeito de São Lourenço do Sul/RS, Zelmute Marten, no painel “Ministerial de Alto Nível sobre Governança Multinível para o Acordo de Paris”. Perante autoridades nacionais e internacionais, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho; Marten trouxe à tona a realidade esmagadora da maioria dos municípios brasileiros, afirmando que “dos 5.570 municípios do nosso país, 4.890 têm menos de 50 mil habitantes”. O prefeito, representando essas comunidades frequentemente invisibilizadas nos fóruns globais, detalhou a crueza da situação: “Sou prefeito de um município de 43 mil habitantes, que de 1983 para cá, todos os anos está em situação de emergência ou calamidade em razão de eventos climáticos extremos”. E concluiu com uma constatação dolorosa: “quem mais sofre são os mais pobres, as mulheres e as comunidades que estão em regiões de periferias”.
Sua fala reforçou o compromisso da ABM com o multilateralismo e a mobilização de prefeitos em torno do que denominou de “consciência cidadã” diante da crise climática, posicionando a associação como ator fundamental na articulação entre o local e o global.
Gênero e Clima: a força transformadora das mulheres na liderança local

Um dos painéis que mais atraiu atenção foi “Cidades Inclusivas e Justas: gênero como eixo da ação climática local”, realizado em parceria com o Instituto Alziras. O evento contou com a participação de lideranças femininas de alto nível, incluindo a ministra das Mulheres, Márcia Lopes; a deputada federal Juliana Cardoso; e a vice-presidente nacional da ABM e prefeita de Abaetetuba/PA, Francineti Carvalho, que foi direta e contundente ao explicar a conexão entre gênero e clima. “Ninguém mora na nação, nem no Estado. Eles são elementos simbólicos. As pessoas moram nos municípios, e é lá que buscam soluções para seus problemas”, afirmou, estabelecendo com clareza o lugar primordial da gestão municipal na vida das pessoas.
A prefeita paraense desenvolveu sua argumentação com exemplos concretos: “são as mulheres e as crianças as mais afetadas. Toda vez que há um desastre ambiental, quando falta água, são as mulheres que ficam imersas nos baldes”. E complementou com a realidade amazônica: “a falta de água potável, que é um problema ambiental, gera diversas doenças virais na Amazônia, onde somos cercados por isso. É um problema que afeta diretamente as mulheres e as crianças”.
A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, trouxe ao debate um conceito inspirador e transformador, afirmando que “o território transformador nos permite reconstruir a cidade a partir da vida, do cuidado, da justiça, não da violência ou da desigualdade”. Sua visão apontou para um novo paradigma de desenvolvimento urbano, enfatizando que “é assim que construiremos cidades mais seguras, justas e resistentes para todas as pessoas”.
Financiamento Climático: o desafio estrutural de chegar aos territórios
No painel internacional “Alianças Locais por Justiça Climática – Do Rio para Belém para Tânger”, promovido em conjunto com a CGLU, o diretor executivo da ABM, Eduardo Tadeu, trouxe à tona um dos maiores obstáculos estruturais para a efetiva ação climática municipal: a desconexão entre as promessas de financiamento e a realidade dos territórios. Ele destacou a participação de alguns painelistas, cujas falas destacaram “a relevância das políticas públicas dos municípios na maior parte do mundo, como resíduos, política de proteção às mulheres, proteção à juventude, educação ambiental (…), todas centrais no combate ao aquecimento global”.
O diretor executivo enxerga nessas responsabilidades não apenas um desafio, mas uma oportunidade: “é o momento dos municípios mostrarem a importância das políticas locais, territoriais de combate ao aquecimento global”. Eduardo Tadeu citou iniciativas inovadoras, como “um banco digital municipal do Brasil com moeda local, para que o desenvolvimento econômico possa atingir as populações mais necessitadas”.
Sua crítica mais contundente veio quando abordou a questão burocrática: “muitas vezes as nossas prefeituras têm dificuldade de acessar o financiamento, de executar o projeto devido ao excesso de trâmites administrativos”. E completou: “a prestação de contas segue uma burocracia que muitas vezes os municípios menores, os mais pobres, aqueles que mais precisam de ajuda, têm dificuldade de acessar, de prestar contas e, portanto, de ficar pronto para novos investimentos”.
Capacitação técnica como chave para o acesso a recursos
No painel “Governança Climática Multinível: caminho global-local de financiamento para justiça climática nos territórios”, a prefeita Patrícia Alencar (Marituba/PA), o prefeito Zelmute Marten (São Lourenço do Sul/RS); representantes da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI); do Consórcio Nordeste; da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), moderados pelo Instituto Alziras, trouxeram contribuições práticas e inspiradoras sobre a importância da qualificação e fortalecimento institucional dos entes federados e da governança federativa.
Por meio de sua experiência no Pará, a prefeita Patrícia Alencar ilustrou os desafios de capacitação: “municípios de pequeno e médio porte carecem de equipes técnicas qualificadas para elaborar projetos e captar recursos. Em Marituba, firmamos cooperação com universidades estaduais e federais para capacitar servidores. Esses profissionais hoje dominam a elaboração de projetos e os caminhos para obter financiamento.”
Parcerias que fortalecem o municipalismo
Além dos eventos citados, a ABM promoveu outros momentos igualmente estratégicos. O painel “Da Meta à Ação: financiando o clima no território”, realizado em conjunto com o Consórcio Amazônia Legal, contou com representantes do MMA, da SRI, ONU-Habitat e agências de fomento, para aprofundar as discussões sobre os mecanismos de implementação dos compromissos climáticos nos níveis subnacionais.
Nessa ocasião, a ABM lançou sua Carta de Posicionamento sobre Financiamento Climático Subnacional, com o objetivo de situar o financiamento climático subnacional no centro da transformação justa, socioambiental, ecológica e econômica de que o mundo precisa. O documento é um chamado à ação para que os municípios não continuem à margem da arquitetura financeira climática global, defendendo que as cidades sejam reconhecidas não como meras beneficiárias passivas, mas como atores centrais da transição climática justa – capazes de planejar, propor e executar soluções concretas, desde que garantidos os meios financeiros e técnicos para implementar ações climáticas locais.
Já o evento “Do Internacional ao Local: próximos passos para o financiamento climático subnacional” trouxe contribuições concretas de agências de fomento e instituições financeiras sobre como destravar recursos para os municípios, com participação da prefeitura de Jacareacanga, que compõe a diretoria da ABM, ao lado de parceiros nacionais e internacionais estratégicos, como o Conselho da Federação, a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e o Fundo Mundial para o Desenvolvimento das Cidades (FMDV).
A “Territorialização da Agenda 2030”, construída em parceria com o Consórcio Nordeste, explorou as intersecções entre segurança alimentar e ação climática, tema que dialoga diretamente com o CT3 – Políticas Sociais e Combate às Desigualdades do Conselho da Federação, coordenado pela ABM. Em continuidade, a participação no evento da Coalizão DUSA possibilitou a apresentação dos resultados das Escutas Amazônicas, uma iniciativa essencial para captar as particularidades regionais do bioma mais ameaçado do país.
Legado de liderança local e visão estratégica
A atuação da ABM na COP30 consolidou um recado claro e inequívoco: não há solução efetiva para a crise climática global sem a participação ativa e protagonista dos municípios. Seja na defesa intransigente de financiamento direto, adequado e acessível, na promoção da igualdade de gênero como eixo transversal ou no fortalecimento de capacidades técnicas institucionais, a Associação confirmou seu papel como porta-voz incontornável dos entes locais, onde as mudanças globais, de fato, se materializam na vida das pessoas.
A construção cuidadosa de parcerias estratégicas com organismos multilaterais, consórcios regionais, instituições de pesquisa e movimentos sociais demonstrou uma visão sofisticada de atuação em rede, posicionando o municipalismo brasileiro como referência na articulação entre o local e o global.
Em junho do próximo ano, os olhos voltam para Tânger, em Marrocos, onde essas agendas serão levadas ao Congresso Mundial da CGLU, reforçando que a justiça climática começa (e necessariamente deve se concretizar) nos territórios municipais. A ABM deixa Belém com a autoridade moral e política ampliada, pronta para continuar sua missão de representar os interesses dos municípios brasileiros nos fóruns decisórios nacionais e internacionais, sempre com o compromisso inegociável de transformar esses compromissos em ações concretas que melhorem a vida das populações mais vulneráveis.






