Os investimentos em adaptação climática devem ser prioridade do grupo
Por Ilsur Metshin e Washington Quaquá, publicado na Carta Capital
A formulação e execução de políticas públicas eficazes para infraestrutura, desenvolvimento econômico e adaptação climática exigem capilaridade institucional e acesso a fontes diversificadas de financiamento. As cidades concentram hoje a maioria da população mundial, com previsão da ONU de que até 2050 dois terços da humanidade viverão em ambientes urbanos. São os espaços onde os desafios globais se manifestam com maior intensidade, imediatismo e impacto econômico. É por isso que os municípios precisam ter mais acesso a mecanismos para financiar as obras e ações necessárias ao crescimento econômico e à adaptação climática.
Nesse contexto, a criação da Associação de Cidades e Municípios dos BRICS+, em junho de 2024, durante o Fórum de Cidades BRICS+, em Kazan, Rússia, foi necessária e estratégica. A entidade, composta de municípios dos países do bloco e nações associadas, busca consolidar uma cooperação técnica entre governos locais. O objetivo central é articular acesso direto a instrumentos multilaterais de financiamento, bem como fomentar o intercâmbio de experiências bem-sucedidas na gestão urbana, no enfrentamento das desigualdades e na promoção de uma economia verde.
O Fórum de Cidades BRICS+, de 26 a 28 de maio de 2025, em Maricá, Rio de Janeiro, reuniu representantes de sete países que enfrentam desafios comuns: déficits históricos de infraestrutura, carências sociais estruturais e crescente exposição a riscos climáticos extremos. O fortalecimento da capacidade fiscal e institucional dos governos locais não é apenas uma demanda técnica, mas uma precondição essencial para que as políticas públicas cheguem, de fato, ao local onde a população vive e trabalha. Dados da OCDE indicam que governos subnacionais são responsáveis, em média, por 37% do investimento público e 64% das despesas em infraestrutura, o que reforça a centralidade dos municípios na promoção do desenvolvimento.
Um dos principais consensos dos prefeitos e gestores dos municípios é a necessidade de reconfigurar a arquitetura financeira dos BRICS+, de modo que os instrumentos do bloco sejam acessíveis diretamente aos municípios, não apenas aos governos nacionais. Atualmente, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) – o Banco dos BRICS – possui um portfólio robusto de financiamento para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Desde a sua fundação, em 2015, já aprovou mais de 35 bilhões de dólares em financiamentos. Os trâmites são, porém, majoritariamente centralizados, dependentes de garantias soberanas e, por isso, acabam restritos a grandes projetos estatais.
Em 2050, prevê a ONU, dois terços da humanidade viverão em centros urbanos
O que propomos, como prefeitos de cidades com protagonismo nesta articulação, é a construção de modelos inovadores de acesso a essas linhas de financiamento, que permitam aos municípios desenvolver projetos de impacto local com escala global. A possibilidade de criar consórcios intermunicipais, por exemplo, pode gerar economias de escala e reduzir riscos, viabilizando a contratação de crédito internacional com maior segurança.
O debate sobre financiamento torna-se ainda mais urgente diante do agravamento dos eventos climáticos extremos, que afetam de maneira direta a infraestrutura básica das cidades – drenagem, saneamento, transporte público e habitação –, ao mesmo tempo que pressionam as já limitadas finanças municipais. Segundo relatório do Banco Mundial, a cada dólar investido em resiliência climática urbana, economizam-se até 7 dólares em custos futuros com reconstrução e assistência humanitária.
Por essa razão, defendemos que o investimento em adaptação climática seja consolidado como uma prioridade estratégica dos BRICS+, com foco na atuação municipal. Esta será, inclusive, uma das pautas centrais que pretendemos reforçar na COP30, em Belém, com a perspectiva de ampliar a articulação entre governos locais e organismos multilaterais.
As áreas metropolitanas respondem por 80% do PIB global, de acordo com dados do McKinsey Global Institute. Isso demonstra que investir na capacidade institucional dos municípios é investir na geração de emprego e renda. A cooperação entre municípios dos BRICS+ pode gerar soluções escaláveis para desafios comuns, como a gestão de resíduos sólidos, o desenvolvimento de sistemas integrados de mobilidade urbana, a promoção de habitação social e a implementação de políticas culturais que valorizem identidades locais e impulsionem a economia criativa.
O Fórum de Maricá buscou ir além das declarações políticas, promovendo trocas concretas de experiências e boas práticas, além de elaborar propostas comuns para a construção de uma governança multinível no âmbito dos BRICS+. Um encontro paralelo, que reuniu arquitetos e urbanistas de diversos países, discutiu projetos de infraestrutura urbana sustentável, adaptados às realidades sociais, ambientais e econômicas de cada país.
A primeira Assembleia-Geral da Associação de Cidades e Municípios dos BRICS+, realizada também em Maricá, aprovou o estatuto da entidade e uma carta das cidades aos chefes de Estado, com propostas objetivas de integração aos mecanismos de financiamento multilateral. O fortalecimento dos governos locais dentro dessa arquitetura institucional não é uma escolha, mas uma necessidade estratégica para o desenvolvimento equilibrado das nações que compõem o bloco.
Cidades bem financiadas, articuladas e capacitadas são capazes de acelerar o desenvolvimento, ampliar a resiliência climática e melhorar, de forma direta e mensurável, a qualidade de vida de bilhões de seres humanos. A atuação coordenada entre municípios dos BRICS+ pode ser um exemplo de que, diante de desafios globais complexos, as soluções mais eficazes nascem justamente da proximidade com a realidade local. •
*Ilsur Metshin é prefeito de Kazan, na Rússia. Washington Quaquá é prefeito de Maricá e presidente da Associação de Cidades e Municípios dos BRICS+.
Publicado na edição n° 1365 de CartaCapital